quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Anjos

"No outro dia... Vi um anjinho a passar por ali."

Entoa a voz da criança. Inocente. Frágil. Pequena, como uma gota de água vinda do céu.
Concentro-me na sua voz. E essa, ressoa no meu coração. Lembro-me de quando era criança. Sonhava com fadas, elfos, sereias e duendes. Anjos... Será que os vias? Será que alguma vez os vi? Na minha cabeça, todos os dias, milhares de personagens mágicas se formam.


"Tens de te concentrar Tiago. Os anjinhos só aparecem quando estás concentrado. Foi por isso que eles apareceram da outra vez. Tens de ser forte, Tiago. Só assim é que os irás ver. Pois eles querem contemplar a tua força interior."

Quantas vezes já me disseram isto... Quando eu, na minha mente infantil e nos meus olhos de criança, os vi-a também. Lembro-me de dizer que os via. Mas não me lembro de os ter visto alguma vez. Talves, nos interfolhos da minha mente, essas imagens ainda estejam lá . Será que a mente humana esqueçe tão rápidamente? Porque será que nós esqueçe-mos aqueles momentos mágicos de quando eramos apenas crianças? Porque não nos lembra-mos de quando eramos pequenos seres. De pele suave e clara. De olhos bem fechadinhos. De dedo na boca... Porque não nos lembra-mos dos nossos pais nos agarrarem nos braços e amarem-nos? Como se todos os dias fossem os primeiros... Não me lembro dos braços da minha mãe aqueçerem-me. Não me lembro das suas palavras de carinho. Não me lembro de dormir alguma vez sequer na sua cama, abraçada a ela, a sentir o seu calor e o seu amor em mim, no meu corpo pequenino e frágil. Não me lembro dos seus olhos postos em mim. Olhos sinceros de quem ama, de quem está feliz. Não me lembro de ela dizer "amo-te, filha".
Não me lembro de tanta coisa... Não me lembro... Não recordo. Pareçe que estou sozinha. Pareço a única com bom senso neste circo.
Não me lembro de ser filha.
Mas lembro-me de todas as más palavras vindas das suas bocas. Lembro-me de chorar no meu quarto, escuro. Sem luz. Só eu e... Eu. Eu e as minhas lágrimas. Apenas nós as duas. Ajudavamo-nos uma à outra. Ela, porque precisava de ver um outro mundo e porque já estava com muitas irmãs, quase sem espaço para se mexer. Ela queria a liberdade. E eu porque ela ajudava-me em tudo. Chorava e ficava bem. De cabeça erguida. E esperava que elas se voltassem a acumolar, para assim as derramar novamente. Lembro-me também do seu olhar reprovador sobre mim. Oh. Esse olhar... Lembro-me e relembro-o todos os dias. Ela não o deixa esqueçer. Olhos de quem já não consegue amar ninguém. Nem a si mesma...

'Léqzia Céssaryni

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